Ainda dentro do tema Mãe de Deus, devo lhe pedir licença, pois acho que o senhor não entendeu muito bem essa questão. Primeiro é dito assim:
“Considerando que Jesus é Deus, e ainda, que nasceu de Maria, penso ser óbvio dizer que Maria é mãe de Deus”
(pág. 19)
E ainda:
“O termo grego ‘meter ton Iesous’ (mãe de Jesus) é usado na Bíblia algumas vezes, o que significaria dizer que no sentido humano, Maria é de fato a mãe de Deus. Foi ela quem gerou o Messias, quem o carregou por nove meses, quem o amamentou e cuidou dele até a idade adulta. Seria uma discrepância afirmar que, neste sentido, ela não é a mãe de Deus” (págs. 19 e 20)
O curioso vem agora:
“Deus não tem mãe; se tivesse, deixaria de ser Deus. (...) Maria é mãe do Deus homem e nada mais” (pág. 21)
Creio que aqui seja necessário uma detalhada explicação.
Maria é Mãe de Deus sim ou não? Não entendi a que conclusão chegou.
Para assimilar melhor esse Mistério nos é necessário saber mais sobre a Encarnação do Filho de Deus no ventre de Maria. Veja, antes de tudo precisamos saber a diferença teológica entre as duas palavras NATUREZA e PESSOA. A palavra NATUREZA se refere a tudo que seja próprio da essência de um ser, a sua estrutura íntima que o faz ser e agir tal como ele é e age. Exemplo: a natureza humana é a racionalidade do homem, isto é, a sua capacidade de pensar. Daí então vem a sua linguagem, sua maneira de agir e etc, ou seja, tudo aquilo necessário para que alguém seja ser humano. A todos os homens é igual esta natureza, pois essas características lhes são próprias. A criatura que tiver esta natureza racional é ser humano.
Porém, apesar de todos os seres humanos compartilharem da mesma natureza, eles não compartilham da mesma personalidade. E é aí que entra a palavra PESSOA, que se refere à personalidade, à individualidade e à particularidade que cada um tem e que é próprio seu, somente seu. É o “eu” de cada um, é o “ser” de cada um. Pastor, eu tenho a mesma natureza que a sua, mas a nossa pessoa é diferente.
Entendido isso fica mais fácil percebermos o Mistério da Encarnação de Jesus: Ele, sendo “Filho de Deus” (Mt 27,54), Eterno (sem começo e sem fim) igual ao Pai (Ap 22,13), tem a sua Natureza Divina, que é compartilhada pelas Três Pessoas da Santíssima Trindade. O Filho possui uma Natureza com características próprias da Divindade, que o faz ser Deus (cf. Fl 2,6). Junto com essa Natureza, Ele possui a Pessoa, sua personalidade particular que é diferente das demais, que são as características próprias dAquele que é o Filho e que só Ele tem. É o Seu Eu particular, a Sua Pessoa Divina.
Em um determinado momento da História (cf. Gl 4,4), essa Pessoa Divina com Natureza Divina, vem ao mundo e assim, no ventre de Maria, assume também a Natureza Humana. Jesus passa a ser então uma Pessoa com dois modos de agir, com duas naturezas: uma Divina (que Ele sempre teve) e uma Humana (que Ele assumiu por causa da Encarnação). No entanto, Este que possui as duas naturezas é uma Pessoa só, a Divina, a Pessoa Eterna do Filho de Deus (cf. Jo 17,5). O Eu de Jesus é Divino (cf. Cl 2,9) e a maneira de agir é Divina (cf. Mc 2,5-12) e Humana (cf. Mt 26,39), pois possui o que é característico de cada uma das naturezas. Por conseguinte, a Pessoa que nasceu de Maria é a Pessoa que sempre existiu: a Pessoa do Filho de Deus, Deus igual ao Pai (cf. Jo 1,1.14). Deste modo, é perfeitamente óbvio que Maria gerou a Natureza Humana, mas como ninguém é mãe só da natureza, mas sim da totalidade do ser, Maria é Mãe de Deus, pois a Pessoa que assumiu a natureza humana gerada em seu ventre é a Pessoa de Deus Filho.
O anjo anunciou à Maria: “...o Santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35). As palavras do anjo confirmam a maternidade divina de Maria, pois chamando o Filho de Maria de Filho de Deus, o anjo está dizendo que o Filho que nasceu de Maria é “igual a Deus” (Jo 5,18).
Diante disso, não há como entender o seu argumento de que ela é Mãe de Deus “no sentido humano”. Se ela é Mãe no sentido humano, não é Mãe de Deus, mas Mãe do homem Jesus somente, e assim estaríamos fazendo uma separação entre dois Jesus diferentes: uma Personalidade de Jesus Humano e uma outra Personalidade de Jesus Divino, o que não existe.
Mais confuso ainda é dizer que “Maria é mãe do Deus homem e nada mais”. Como assim Deus homem e nada mais? Nada mais mesmo, pois “Deus homem” já é a totalidade do Senhor Jesus, não existe mais e nem menos. Como já visto, não se divide a Pessoa de Jesus em parcela humana e parcela divina. “O acontecimento único e totalmente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado da mescla confusa entre o divino e o humano. Ele se fez verdadeiramente homem permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem” (Catecismo da Igreja Católica, §464). Esta é a voz perene da Igreja ensinando que Jesus é a Pessoa Eterna Divinal que assumiu a natureza humana em um determinado tempo. A Pessoa do Filho de Deus é a mesma de sempre, acrescentada a Natureza Humana (cf. Rm 9,5), por isso Ele é indivisível!
Deste modo, o Concílio de Éfeso no ano 431 proclamou que Maria se tornou de verdade a Mãe de Deus, não porque dela nasceu a Divindade, mas porque nela Deus “se fez homem e habitou entre nós” (Jo 1,14). O Filho nascido da Mãe Maria é o mesmo Filho Eterno do Pai que é Deus igual ao Pai e ao Espírito Santo, e é conhecido como “Filho de Deus” (At 9,20) por ser ter natureza divina e “Filho do Homem” (Mt 17,22) por ter natureza humana.
“Aquele que fez todos os seres se tornou filho de sua criatura” (São Leão Magno, Doutor da Igreja, Na Escola dos Santos Doutores, 1454).